terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Conferência Nacional de Saúde Ambiental: Algumas respostas.

Há poucos meses a saúde ambiental passou a compor a agenda de debates nacional. Do círculo da ciência e das Conferências das cidades, do meio ambiente e da saúde, o tema chegou aos municípios. A pergunta é: Por que uma Conferência em Saúde Ambiental?
Neste texto trago minha leitura das Conferências (intermunicipal, estadual e nacional, as quais participei), dos textos, dos debates e das diretrizes e ações estratégicas finais.

Sistema Único de Saúde, ou de Doença?
Nos cenários atuais da saúde da população brasileira, dentre as principais causas de óbitos predominam as doenças cardiovasculares e neoplásicas, efeito de condições genéticas, de vida e trabalho, especialmente pela exposição a determinados poluentes ambientais. As doenças infecto-parasitárias, resultantes das condições socioambientais, aparecem em segundo lugar. E em terceiro, as causas externas (acidentes e violências) (Ministério da Saúde, 2009).
É nesta perspectiva que nasce a necessidade de debater a saúde da população sob a ótica do ambiente. Seja este ambiente social, econômico, ambiental, de trabalho, etc., é nele que nascem as principais causas de óbitos e, por isso, merece atenção.
Nosso sistema de saúde (SUS), apesar de ser considerado um modelo em todo o mundo, é constantemente atacado por ter como centro das atenções os hospitais e não a prevenção da saúde. O que temos não é um sistema de saúde, mas um sistema de tratamento de doenças.
O médico sanitarista e político brasileiro, Sergio Arouca, escreveu certa vez: “Nós fizemos a reforma sanitária que criou o SUS, mas o núcleo dele, desumanizado, está errado. Temos de entrar no coração deste modelo e mudar. Qual o fundamento? Primeiro, é a promoção da saúde, e não da doença. O SUS tem de, em primeiro lugar, perguntar o que está acontecendo no cotidiano das vidas das pessoas e como eu posso interferir para torná-los mais saudáveis” (Arouca, 2002).
Também para o Ministério da Saúde (2009), a construção da saúde “ocorre nos espaços do cotidiano da vida humana, nos ambientes dos processos produtivos e na dinâmica da vida das cidades e do campo”. É nesta perspectiva de construção da saúde, e não de tratamento da doença, que nasce o debate em saúde ambiental.


Eixos temáticos: O Território!
Nós que somos do território Portal da Amazônia ouvimos falar com certa freqüência o termo “território”, especialmente aqueles que têm alguma relação com a agricultura familiar.
Em nossa conferência intermunicipal, realizada em Alta Floresta nos dias 29 a 30 de Setembro, o termo “território” soou tranquilamente entre os diversos representantes dos segmentos: Movimentos sociais, Trabalhadores, Setor empresarial, Entidades profissionais, acadêmicas e de pesquisa, ONGs e Poder público estadual e municipal. Tínhamos incorporado em nosso debate a importância do desenvolvimento com foco territorial e fomos respaldados com os eixos temáticos da Conferência. Em Cuiabá, defendemos as características geográficas, culturais, sociais, dos modos de produção e consumo das populações por territórios, além das dinâmicas de funcionamento e políticas. Enfatizamos a atenção às comunidades vulneráveis, sejam elas do campo, da cidade ou da floresta, a valorização de seus saberes e a importância da educação e comunicação popular para a autonomia dos sujeitos.

As Diretrizes Estaduais: Árduo debate.
Nas Diretrizes estaduais, o enfoque territorial e os demais itens do texto elaborado no Portal da Amazônia, apareceram intensamente. Nossas Diretrizes e ações estratégicas abordavam:
- Construção de sociedades sustentáveis por território;
- Educação transformadora em saúde ambiental;
- Criação de Comitês de sub-bacias e bacias hidrográficas;
- Proteção dos recursos naturais;
- Investimentos em infraestrutura em saneamento ambiental.
- Controle social.
Estes foram os pontos que defendemos na Conferência Nacional (9 a 12 de dezembro em Brasília).

A Conferência Nacional: Diretrizes e “interesses”.
Na metodologia nacional fomos divididos em grupos de acordo com as temáticas:
1) Processos produtivos e consumo sustentável;
2) Infraestrutura;
3) Articulação interinstitucional, ações integradas e controle social;
4) Territórios sustentáveis, planejamento e gestão integrada;
5) Educação, informação, comunicação e produção de conhecimento;
6) Marco regulatório e fiscalização.
Esses grupos escolheram e reescreveram as Diretrizes dos Estados. Eu fiz parte da equipe que debateu “Educação, informação, comunicação e produção de conhecimento”. Mais uma vez tive certeza de que nossas discussões no Território têm sido muito produtivas e de alto nível.
Na plenária final foram votadas as Diretrizes Nacionais, as quais subsidiarão a construção da Política Nacional de Saúde Ambiental. Apresento abaixo uma síntese, por temática:
1) Processos produtivos e consumo sustentável;

- Desenvolvimento de tecnologias e práticas de produção e consumo éticos e sustentáveis, considerando as vocações econômicas dos municípios.
- Reforma agrária: enfoque à agricultura familiar orgânica e agroecológica e recuperação das áreas degradadas.
- Saúde do trabalhador: alternativas de prevenção, controle e vigilância de riscos.
- Mudança no modelo de desenvolvimento econômico: permacultura como método de desenvolvimento urbano e rural.
2) Infraestrutura;
- Universalização do saneamento básico e ambiental: acesso universal a água de qualidade e saneamento, através de política e planos municipais e de acordo com as peculiaridades territoriais.
- Sistemas integrados de controle da poluição: uso de tecnologias sociais.
- Resíduos sólidos com gerenciamento integrado e participativo: fortalecimento dos Consórcios intermunicipais, com controle social.
3) Articulação interinstitucional, ações integradas e controle social;
- Políticas públicas estruturantes, permanentes, interdisciplinares, territorializadas e descentralizadas de saúde ambiental: Ênfase às características territoriais; Participação e controle social.
4) Territórios sustentáveis, planejamento e gestão integrada;
- Construção de sociedades sustentáveis através: da manutenção do homem no campo; Cadeias produtivas rurais e urbanas com base no ordenamento territorial; Agricultura familiar e economia solidária.
- Desenvolvimento de tecnologias limpas e manejo sustentável: atendendo às características territoriais.
5) Educação, informação, comunicação e produção de conhecimento;
- Educação e pesquisa: intersetorial, integrada, permanente e continuada, em saúde ambiental e saúde do trabalhador.
- Reconhecimento e valorização do saber popular, da diversidade socioambiental, pluradidade étnica, racial e de origem.
- Políticas Socioambientais voltadas para as distintas realidades dos biomas e territórios.
- Inserção da temática saúde ambiental no Programa Nacional de Educação Ambiental – PRONEA. Revisão das matrizes curriculares para construção de projetos político-pedagógicos interdisciplinares, transversais, intra e intersetoriais.
- Capacitação de trabalhadores rurais, urbanos e comunidade geral.
6) Marco regulatório e fiscalização.
- Infraestrutura de fiscalização, proteção e recuperação da saúde ambiental.
- Fiscalização dos processos produtivos e monitoramento e responsabilização dos empreendimentos que causam impacto ambiental.
- Vigilância em Saúde Ambiental articulada ao SISNAMA, com papel fiscalizador.
- Sistema de dados para gerenciamento ambiental integrado.

Política Pública, como?
Com o privilégio de assistir os discursos dos Ministros Márcio Fortes (Cidades) e Carlos Minc (Meio Ambiente) e de estar entre os quase 1000 delegados (militantes) dos diversos estados brasileiros. Como também, com o direito de emocionar-me com a multidão cantando o Hino Nacional, ao final do evento, percebi a Conferência como marco para a saúde ambiental no Brasil.
É o início de um processo de mudanças. Começamos, de alguma maneira, a enfrentar o poder da indústria farmacêutica norte-americana (e brasileira), dizendo: “Saúde e Ambiente: vamos cuidar da gente!”. Vamos cuidar da saúde, não da doença!!!
A Conferência Nacional é a Base para a construção da Política Nacional de Saúde Ambiental. O grande destaque é: começamos a despertar para o processo interdisciplinar, integrado, intersetorial, participativo e territorializado.
Mas há, ainda, um desafio maior, como mencionou um dos pesquisadores da FIOCRUZ em “Uma ecologia Política dos Riscos: princípios para integrarmos o local e o global na promoção da saúde e da justiça ambiental”:
“Para sua adequada compreensão, os riscos à saúde e as vulnerabilidades socioambientais demandam uma ciência mais abrangente e sensível, fornecendo sentido ético à produção de conhecimentos voltados à sustentabilidade, promoção da saúde e à justiça ambiental, superando os limites reducionistas da ciência clássica ou normal” (Porto, 2007).
O povo já sabe o que é saúde ambiental, faz parte de seu saber popular. Agora esperamos as respostas da ciência...
Estamos caminhando...


“Mudar é difícil, mas é possível”.
(Paulo Freire)



Profa. Marla Weihs
Departamento de Ciências Biológicas
UNEMAT – Alta Floresta

Você aí sentado levante-se, há um LÍDER dentro de você!" Governe-o! Faça-o falar!!!” (Chico Science)

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