segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Ciência e democracia na Amazônia

A Amazônia florestal e rural se submete atualmente a três dinâmicas antagônicas, cada uma das quais é apoiada por pontos de vista científicos, independentes entre si.
1- A primeira pode ser qualificada de violenta por se tratar da destruição dos ecossistemas naturais, que são arrancados e queimados. Em seu lugar aparece uma agricultura de subsistência, em pequenas superfícies ou criação de gados e agricultura produtivista, com traços nítidos de mineração e, em geral sobre imensas superfícies adquiridas de maneira frequentemente ilegal.
Há uma pesquisa agronômica, pública e privada, nacional e internacional, que se relaciona com essa dinâmica violenta. Alguns pesquisadores apóiam os mais ricos desses agricultores/criadores que são os atores dessa destruição. Em contrapartida, há outros pesquisadores que apóiam os pequenos produtores para ajudá-los no melhor aproveitamento das terras desmatadas e, assim, frear a dinâmica do desmatamento.
Uma questão: como é que se fazem estas escolhas de colocar as suas competências científicas para uns ou para os outros? Onde acontece o debate e quem decide?
Devemos acrescentar que essa dinâmica violenta é frequentemente justificada pela exploração dos recursos hidráulicos e minerais. São os cientistas que descobrem esses recursos e que propõem as condições de sua exploração. É claro que, nesse momento, o debate democrático costuma fazer falta.
2- Uma segunda dinâmica é aquela da reserva total em grandes superfícies: qualquer nova ocupação humana é proibida ... salvo a dos eco turistas!!!
O objetivo é conservar, proteger recursos, principalmente ecossistemas; e também contribuir a proteger as funções desempenhadas pelos ecosistemas, principalmente as funções biológicas e climáticas. Portanto, trata-se de se dar tempo para conhecer e para entender.
Para a pesquisa científica, as reservas são verdadeira graça divina: em seu interior, é possível realizar tranquilo todas as observações e medidas que permitem entender os funcionamentos naturais e também as relações que existem entre os meios e as sociedades humanas pouco numerosas que lá vivem.
A pesquisa científica, em geral, desempenha também um papel importante para ajudar a delimitar os "parques" e para associar as populações a essa delimitação.
3- Enfim, uma terceira dinâmica, que pode ser chamada de desenvolvimento sustentável, começa a criar raízes: é a dinâmica daqueles que fazem a escolha de ocupar a floresta para viver dela e, assim, protegê-la. É o que ocorre nas reservas chamadas de "extrativistas", nas quais as populações vivem dos recursos biológicos renováveis. É a dinâmica pela qual Chico Mendes brigou e foi assassinado por aqueles que pertenciam à dinâmica violenta; é a dinâmica do PDSA no Amapá - o programa de desenvolvimento sustentável realizado pelo governador João Alberto Capiberibe de 1995 a 2002 - e é também, há cerca de dez anos, a escolha do estado do Acre sob a autoridade dos governadores Jorge Viana e Binho Marques.
A pesquisa científica não está ausente dessa terceira dinâmica, mas é bom refletir sobre as razões de uma presença mais fraca do que nas duas outras. Será o caráter, por assim dizer, mais utópico dessa terceira dinâmica que explica a prudência dos pesquisadores com relação a ela? Ou será que o temor nasce do fato de que o sucesso científico, neste caso, depende de uma relação mais estreita entre pesquisadores e gente do povo?
Atualmente as três dinâmicas disputam uma verdadeira corrida. Durante esses últimos vinte anos, é a destruição violenta, a substituição da floresta pelo gado e pela agricultura produtivista (soja, cana etc), que ganhou e continua a ganhar esta corrida. Apesar da queda recente na taxa de destruição, a destruição anual de 11 mil quilômetros quadrados de floresta natural não pode ser considerada como resultado satisfatório. Destruir a floresta é a solução de facilidade. É a solução economicamente mais interessante a muito curto prazo. Isso porque não se contabilizam, nos custos de produção, as enormes perdas devidas à destruição definitiva das riquezas biológicas e dos solos. Um dia vai ser necessário de pagar por esta destruição e a conta será muito alta!
Em suma, há três dinâmicas em relação às quais o meio científico está presente, mas não se forma unificada: os especialistas se dividem sob o ângulo científico e do ponto de vista político; e isso quer dizer, é claro, que a pesquisa científica, na Amazônia como noutros lugares, não é neutra: ela é influenciável e fortemente influenciada.

(...)
A pesquisa sobre a Amazônia é, de fato, muito dispersa e muito individualista. E, além disso, ela é, em grande parte, realizada por pessoas que não moram na Amazônia, não vivem no dia a dia da Amazônia, nem vivem no Brasil: isso não facilita as relações entre pesquisa e sociedade e não facilita os debates de programação nacional e internacional.
(...)

Alain Ruellan - Professeur Émérite de Science du Sol (AgroCampus Rennes) - Montpellier - France

Texto completo em: http://diplo.uol.com.br/2009-03,a2821

Nenhum comentário:

Postar um comentário